Meio Ambiente

A criação dos Parques Estaduais do Rio Aguapeí e do Rio do Peixe

Por PORTAL GRANDE PRUDENTE

20/03/2021 às 16:43:01 - Atualizado há
Foto: Peter Mix

Era final da década de 70, e o Governo do Estado de São Paulo, por meio de sua estatal energética, CESP – Companhia Energética de São Paulo, decidiu construir, no leito do rio Paraná, na divisa dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, a Usina Hidroelétrica (UHE) de Porto Primavera, com um reservatório de 2.250 quilômetros quadrados quando atingisse a cota 259.

A implantação da UHE foi concebida com a atenção periférica que a questão ambiental suscitava naquela época (30 anos depois esses ares sopram novamente do planalto central), tanto que a operação da usina importaria na inundação de imensas áreas florestadas, com riquíssima diversidade biológica, além de comprometer a atividade econômica de milhares de pessoas. Apesar do comprometimento ambiental sem precedentes na história recente do país, o empreendimento teve sua execução iniciada no ano de 1980, com término previsto para julho de 1988. Diversas paralisações ocorreram, sobretudo por questões financeiras, e a comunidade que seria diretamente impactada pelo empreendimento foi percebendo o desastre ecológico que se anunciava e os prejuízos socioeconômicos que seriam acarretados com a operação da UHE.

Os reclamos da comunidade ecoaram no Ministério Público, naquela época ainda se consolidando como Instituição de defesa de interesses macrossociais, a exemplo do meio ambiente. Houve, então, a mobilização do Ministério Público do Estado de São Paulo - MPE e do Ministério Público Federal - MPF, por meio da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Presidente Prudente e da Procuradoria da República em Presidente Prudente, que deram início a apuração da dimensão dos impactos resultantes da construção e operação da hidroelétrica.

O cenário era assustador. O custo da UHE ultrapassava a casa da dezena de bilhões de dólares, milhares de hectares de florestas seriam submersas, haveria aumento do nível do lençol freático, erosão, assoreamento, comprometimento da qualidade da água, destruição de ecossistemas terrestres e aquáticos, supressão de reservas florestais, comprometimento de espécies raras, ameaçadas de extinção ou pouco conhecidas, destruição de patrimônio histórico e arqueológico, desestruturação da economia regional, interferência fundiária e nas finanças públicas e outros impactos negativos. Apesar disso, a CESP já tinha as Licenças Prévia e de Instalação. Buscava a Licença de Operação para dar início ao enchimento do gigantesco reservatório, maior que o de Itaipu, embora seu potencial energético represente tão-somente 17% do gerado por esta última.

Alguns meses antes da data prevista para o enchimento do reservatório, o MPE e MPF procuraram negociar com a CESP garantias de que os programas ambientais previstos no EIA/RIMA do empreendimento (realizado apenas no ano de 1996, embora fosse exigível desde 1981) e outras medidas compensatórias e mitigatórias seriam realizadas. Contudo, possivelmente contando como certa a obtenção da Licença de Operação (LO) junto ao IBAMA, a CESP não demonstrou interesse em negociar, sobretudo aquelas medidas que não seriam exigidas como condicionantes na LO.

Diante do impasse e da improvável formalização de um acordo, foi proposta ação civil pública pelos MPE e MPF em face da CESP, em junho de 1998, na Justiça Federal de Presidente Prudente. Na ação foi requerida a concessão de medida liminar com o fim de proibir a CESP de fechar as comportas da barragem de Porto Primavera até que houvesse a garantia de que todas as ações previstas nos programas de controle ambiental previstos no EIA/RIMA seriam realmente realizadas, sem prejuízo de outras medidas.

A medida liminar foi concedida, com a imposição de multa diária no valor de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais) acaso houvesse o seu descumprimento. A CESP procurou reverter a situação perante os Tribunais Superiores, mas uma desembargadora federal não atendeu o recurso da empresa de energia.

Diante da impossibilidade de dar início à operação da UHE, a CESP aceitou discutir um acordo com o Ministério Público.

Depois de meses de negociações, no mês de outubro de 1998, finalmente houve a celebração de um acordo, no qual obrigou-se a CESP a inúmeras obrigações, tais como, implementar programa de controle de erosão e assoreamento; realizar programa de monitoramento das encostas marginais; recuperar áreas degradadas; reflorestar a margem paulista do reservatório (200 hectares por ano); levantamento florístico; projetos de pesquisa e manejo da fauna, inclusive fornecendo meios, materiais e equipamentos à Polícia Ambiental para a fiscalização (doação de veículos, lanchas e outros equipamentos); construção de escada e elevador de peixes na barragem; remanejamento da população atingida; várias medidas para garantir a economia local; readequação da atividade pesqueira, resgate arqueológico e tantas outras.

Esses compromissos foram assumidos pela CESP de modo relativamente fácil, sem muita resistência. O problema era outro! O Ministério Público exigia a criação de Unidades de Conservação na margem paulista do reservatório, uma vez que a previsão era apenas a criação de um parque estadual no estado do MS. Esse entrave por pouco não inviabilizou a realização do acordo, e a aceitação por parte da CESP somente ocorreu quando claramente o Ministério Público impôs a criação de parques em SP como condição à realização do acordo que permitiria o início de operação da UHE Porto Primavera, posteriormente batizada como UHE Engenheiro Sérgio Motta.

Queria o Ministério Público, com apoio da comunidade regional, em especial da organização não-governamental Apoena, a criação de dois parques estaduais, com área mínima de 16.438,74 hectares. Essa área correspondia às áreas florestadas que foram inundadas no estado de SP, em sua maior parte concentrada da Reserva Lagoa São Paulo, situada no município de Presidente Epitácio.

Foi então pactuada a criação dos Parques Estaduais do Rio Aguapeí (9.900 hectares) e do Rio do Peixe (7.700 hectares), comprometendo-se a CESP ainda a providenciar a construção de toda infra-estrutura necessária ao funcionamento desses parques, bem como disponibilizar anualmente recursos suficientes para a manutenção dos mesmos, pelo tempo que durar a operação da UHE de Porto Primavera.

Apesar das profundas alterações ocorridas nos ecossistemas regionais (terrestres e aquáticos), referidas Unidades de Conservação são áreas representativas e de inestimável valor ecológico.

O mundo natural já foi bastante perturbado no oeste paulista, encontrando-se "humanizado" por todo lugar, perdendo sua identidade original. Mas na região sudoeste de SP, sobretudo no Pontal do Paranapanema, ainda restam fragmentos florestais de significativa importância, e o Parque Estadual Morro do Diabo, a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto, o Parque Estadual do Rio Aguapeí e o Parque Estadual do Rio do Peixe são redutos eternos da rica biodiversidade do sertão paulista, de tal forma que as gerações futuras terão ainda a oportunidade de aprender que a natureza não é só uma entidade objetiva, mas que ela também é vital para o nosso bem-estar físico e espiritual.

Nelson R. Bugalho, Promotor de Justiça/SP - Mestre em Direito Penal Supraindividual - Foi prefeito de Presidente Prudente (2017/2020) - Foi vice-presidente da CETESB (2011/2016)


Fonte: Nelson R. Bugalho - Foto: Peter Mix
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