Literatura

No meio da rua, no meio da noite

Por PORTAL GRANDE PRUDENTE

06/03/2021 às 14:23:15 - Atualizado há

SEI QUE A LEITURA PODE MAIS. E o brasileiro lê. Poderia ser mais? Não tenho dúvida alguma. A literatura seria uma das formas de termos essa dinâmica, pois parte das circunstâncias reais e, criando-se reflexões ou viagens imaginárias, estamos sempre além do que estamos, desacomodamos, queremos sempre mais, e essa deve ser a essência do ser humano.

Sem a leitura, cumprimos tabela, seguimos a rotina, apertamos os mesmos parafusos, repetimos nossas ações, e tudo isso vira tédio, cansaço, acomodamento, falta de perspectiva. Mas não estou a fim de falar sobre isso neste momento. Não serei eu a falar que o diálogo abre possibilidades. E o escritor faz isso o tempo todo. Monólogos procurando criar diálogos.

Mas o monólogo permite diálogos? Dim. Às vezes demoram. Às vezes não vêm. Leva tempo. Muito tempo? Nãããão... Mmmmuuuuuiiiitttttoooooooo teeeeeemmmmppppooooo. Às vezes atravessa o ano, passa por décadas, encara os séculos, sente o peso dos milênios. E brota em diálogo de humanidade.

Há quanto tempo tantos nos mostraram o caminho, as reflexões, as possibilidades. Dá pra me alongar sobre isso. Mas sobre isso não quero falar agora.

"Longe do estéril turbilhão da rua,/ Beneditino, escreve! No aconchego/ Do claustro, na paciência e no sossego,/ Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!" nos diz Olavo Bilac

E onde estarão os leitores? Onde estarão as histórias? A poesia? A arte da palavra? Está cumprindo seu roteiro de abrir-se em possibilidades? De encontrar os mais imprevisíveis leitores? Quando os livros se libertam do escritor, o que buscam? O que fazem?

Nesta altura não sei se sigo a ordem cronológica ou um lógica de mente desvairada. Acho que vai esta última.

Depois de um atendimento de meu filho, perdi as horas, mas já avançava pela madrugada, uma dessas sombras em movimento pela madrugadas que, não sei por que chamam de assustadoras e perigosas, ele surge. Quem é ele? Surge ele, declamando um poema de minha lavra, sabia a página onde estava o poema (claro que eu não me lembrava). Sabia meu nome. Pediu até desculpas por nunca ter ido ao Sarau Solidário-APE porque "é no horário que eu trabalho..."

Oxe... Quem é ele? A gente leva aquele susto, aquele susto bom e deixa de lado alguns detalhes.

Em tempos anteriores passando pelo centro, havia um desses "trabalhadores de rua" (nova modalidade? Já existiam, se é que você me entende), mas tinha em mãos LIVROS, que não vendia. Queria que pagasse o que fosse possível. Peguei o livro. Não paguei. Que maldade, dirá você incrédulo leitor. E você tem razão. Hoje vejo que poderia pagar com algum. Era livro. E não paguei. (Se quiser, pode dizer Óhhhhhh). E o que fiz?

Dei a ele um de meus livros. Ele leu. Sabia de memória o que eu tinha escrito. Lembrou-se de minha cara. Lembrou-se de minha cara no escuro da madrugada. Como fiquei? Com uma das histórias mais bonitas que um escritor poderia ter. Mais: sou apenas um personagem secundário.


Carlos Francisco Freixo, luso-brasileiro, Membro da Associação Prudentina de Escritores-APE; poeta, escritor, diretor de teatro, compositor, produtor cultural, professor; autor dos livros Nove Meses Mais; Minha Hora Plena; Cacófatos Histéoricos; 111; Que Fado é Este?; Fui Covarde.

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